RESUMO: Este ensaio tem o escopo de analisar a teoria do garantismo, desenvolvida por Luigi Ferrajoli em sua obra “Direito e razão: Teoria do Garantismo Penal” (2013). Na obra em questão, o jurista italiano idealiza uma estrutura de proteção dos direitos fundamentais dentro de um texto constitucional. Portanto, pretende-se analisar a aplicabilidade desta teoria dentro da Constituição Federal de 1988 e no Direito do Trabalho e fomentar o debate ao mostrar uma “nova” perspectiva sobre as recentes alterações legislativas que possam ter afrontado, direta ou indiretamente, os direitos fundamentais dos trabalhadores sob a perspectiva da teoria de Luigi Ferrajoli. A metodologia adotada foi a pesquisa teórica, por meio de revisão bibliográfica e método dedutivo. A partir da investigação, concluiu-se que, apesar da possibilidade da aplicação da teoria do garantismo, ela não vem sendo empregada no direito do trabalho brasileiro ultimamente, tendo em vista as recentes flexibilizações e desregulamentações de direitos fundamentais dos trabalhadores.
Palavras-chave: Garantismo judicial; direito do trabalho; flexibilização; desregulamentação e direito coletivo do trabalho.
ABSTRACT: This text aims to analyze the theory of garantism, elaborated by Luigi Ferrajoli in his book “Law and Reason:Theory of Legal Garantism''. In this work, the Italian jurist idealizes a structure for the protection of fundamental rights within a constitutional text.Therefore, this article intends to analyze the applicability of this theory within the Federal Constitution of 1988 and in Labor Law, fostering a debate by showing this “new” perspective on recent legal changes that may have directly or indirectly confronted fundamental worker’s rights workers under the perspective of Luigi Ferrajoli’s theory. The methodology adopted was the theoretical research, through a bibliographic review and a deductive method. Through this investigation, it was possible to conclude that, despite the possibility of applying the theory of garantism, it has not been implemented in Brazilian labor law lately, considering the recent flexibilizations and deregulations of worker’s fundamental rights.
Keywords: Legal garantism; labor law; deregulation; collective labor law.
1.INTRODUÇÃO
Há muito se debate a importância dos direitos e garantias fundamentais, em especial quando se correlaciona com o princípio da dignidade da pessoa humana em uma interpretação lato sensu, essa perspectiva foi trazida à tona por Ferrajoli (2013) em sua teoria conhecida como a Teoria do Garantismo Judicial, que busca, em uma perfunctória análise, a defesa desses direitos fundamentais dentro de elementos constitucionalizados. Tais direitos estão presentes dentro do Estado Democrático de Direito, que vem sendo introduzido há anos em vários textos constitucionais, inclusive na Constituição Federal de 1988, submetendo as normas infraconstitucionais aos preceitos básicos do texto constitucional, sob pena da inconstitucionalidade.
No que concerne os direitos fundamentais, analisando a Lei Maior, é possível listar o Direito do Trabalho, que é considerado um direito social de segunda geração, e para muitos doutrinadores, tido como direito social e não direito privado[1]. Isso traz uma reflexão sobre a aplicabilidade da teoria do garantismo para essa esfera em especial, apontando a confirmação de um direito constitucionalmente previsto no fito de promover e garantir aqueles direitos fundamentais, através das próprias normas constitucionais previstas. Dito isso, o que busca-se neste ensaio é a harmonização entre a teoria proposta por Ferrajoli dentro do espectro do direito do trabalho, considerando a substancialidade de tais direitos e fazendo uma análise da limitação de poder do Estado em intervir em direitos fundamentais e até onde podem ser propostas mudanças.
A Constituição Federal (1988), em seu texto, veda qualquer alteração lesiva aos direitos dos cidadãos e essa garantia trazida pelo texto constitucional tem fortes bases na confirmação da garantia dos direitos humanos há anos trazida ao debate. As reflexões trazidas pela teoria do garantismo judicial levantaram a hipótese de que, se em razão do Direito do Trabalho ser considerado um direito social e nele estarem incrustados direitos fundamentais, poderia a teoria aqui estudada ser aplicada em suas especificidades. Em caso afirmativo, convém indagar qual seria o seu alcance dentro de uma possível flexibilização ou desregulamentação dos direitos trabalhistas, em especial no debate trazido pela Lei 13.467 de julho de 2017, popularmente conhecida como Lei da Reforma Trabalhista. Para esse ensaio, a metodologia adotada foi pesquisa teórica, valendo-se de métodos dedutivos e da pesquisa bibliográfica.
2.O GARANTISMO PROPOSTO POR LUIGI FERRAJOLI E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Em um primeiro plano, é preciso conceituar o que é o garantismo e suas bases. Luigi Ferrajoli, em sua obra, trouxe o garantismo como um novo modelo normativo de direito dentro do princípio da legalidade.
A teoria proposta por Ferrajoli seria uma nova forma de se entender o direito, com foco nos aspectos formais e substanciais que devem coexistir para que o direito seja considerado válido. Essa coexistência entre aspectos apresentados pelo jurista Ferrajoli tem como objetivo resguardar a possibilidade de garantir a todos aqueles sujeitos de direito e todos os direitos fundamentais que efetivamente estejam positivados no texto constitucional. Portanto, pode-se entender que a categoria dos direitos fundamentais é um dado ontológico para que se possa analisar a existência e validade de um direito, ou seja, determinar se a norma é válida ou não, observando dois elementos específicos, o elemento formal e o elemento substancial.
O primeiro elemento, o aspecto formal, consiste no formalismo que está incrustado no procedimento prévio, funcionando como um pressuposto de legitimidade do surgimento de uma nova norma. Em outras palavras, essa norma somente será considerada legítima se ela for composta e estruturada de acordo com todos os procedimentos formais previstos no ordenamento jurídico, conceito esse bem próximo do que Kelsen entende como validade na teoria pura do direito.
O que diferencia a ideia de Ferrajoli é um novo elemento por ele explorado dentro do conceito de validade, que é o elemento substancial na perspectiva do universo jurídico, que consiste, em uma breve síntese, em elementos de conteúdo material fundamentado na norma para que essa norma seja válida. Assim sendo, a nova regra somente será válida se observado o binômio formalidade x subjetividade, sempre em harmonia com os direitos fundamentais previstos em um texto constitucional. Esses elementos são interpretados como direitos fundamentais, visto que por meio deles se resgata a ideia de ética material. Nesse sentido, leciona Acelino Rodrigues Carvalho em sua obra:
Garantismo é um modelo normativo de direito próprio do Estado constitucional de direito, e configura um sistema de limites e vínculos a todos os poderes, públicos e privados, estatais e internacionais; garantismo configura uma teoria do direito, qual seja o juspositivismo crítico, em oposição ao juspositivismo normalista e pressupõe um desnível normativo configurando, por uma vez, uma teoria de validade garantismo designa uma filosofia política no sentido de que as instituições públicas somente se justificam pelo reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais.[2]
Em resumo, o garantismo jurídico defendido por Luigi Ferrajoli é um conjunto de normas que visa proteger o sujeito de direito dos abusos de poder por parte do ente estatal, vinculando o Estado aos direitos e garantias fundamentais, sendo necessário partir do pressuposto que a teoria do garantismo judicial assegura os dois pilares do estado democrático de direito.
Essa raiz trazida pela teoria de Ferrajoli está presente na Constituição Federal de 1988; a natureza do texto constitucional nasceu sob o emblema da democracia em harmonia com os direitos fundamentais trazidos em seu texto. Ainda, a Carta Cidadã é um conjunto de regras que disciplinam a organização dos poderes e criam regras que definem princípios e valores que devem ser bases para a legislação infraconstitucional.
O preâmbulo da Constituição Federal adota a ideia de Estado Democrático de Direito, assegurando o exercício dos direitos sociais e individuais em harmonia com o formalismo trazido pelo próprio Texto Constitucional, o que efetivamente garante a aplicabilidade da teoria do garantismo elaborada por Ferrajoli. Dessa forma, a teoria do garantismo assegura a proteção dos direitos fundamentais a serem positivados dentro do ordenamento jurídico, e se não assim o fizerem, o Estado respaldará que tais direitos poderão ser acionados em juízo, o que resta claro que os direitos fundamentais consagrados em nossa constituição possuem aplicação em consonância com a teoria proposta e explicada neste ensaio, podendo ser reivindicados diante de qualquer ameaça de lesão.
Entre esses direitos sociais e fundamentais a serem tutelados está presente o direito do trabalho, que muito embora seja considerado como um direito fundamentalmente social, na atual situação, não só está sujeito à ameaças como está sendo alvo de constantes mudanças que desregulamentam o seu objetivo.
3.O GARANTISMO E SUA APLICABILIDADE AO DIREITO DO TRABALHO
Superado esse ponto, analisando as bases teóricas e o conceito trazido por Ferrajoli na teoria do garantismo jurídico dentro do espectro do direito do trabalho, ainda que a ideia do garantismo judicial não tenha sido tecida originalmente para a aplicação prática dentro do Direito do Trabalho, esta teoria, por se tratar de uma teoria geral do direito, nas palavras do professor Ferrajoli, pode ser aplicada em outros campos do direito:
como paradigma da teoria geral do direito, a todo campo de direitos subjetivos, sejam estes patrimoniais ou fundamentais, e a todo conjunto de poderes, públicos ou privados, estatais ou internacionais[3]
É totalmente plausível a sua extensão para uma aplicabilidade prática dentro do Direito Juslaboral. Partindo do pressuposto que a teoria do garantismo visa a tutela dos direitos fundamentais, sua aplicação para além do direito penal, onde foi originalmente aplicada, é absolutamente factível. O conjunto de garantias citadas por Ferrajoli tem como objetivo atingir os direitos sociais, neste aspecto, cito o direito do trabalho que, além de mencionado na obra do autor, é assegurado como direito fundamental em nossa Constituição Federal.
Partindo dessa linha, a Teoria do Garantismo alcançou a atuação prática no direito do trabalho, vez que o mesmo é considerado como um direito fundamental e ultimamente vem sofrendo diversos ataques por parte do poder público influenciado por uma ideologia neoliberal, suprimindo direito desses trabalhadores, indo na contramão de todo trabalho e desenvolvimento feito nessa área, inclusive normativas internacionais que reconhecem o trabalho como um gênero de direitos humanos.
Artigo 23
1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus interesses.[4]
Os próprios títulos internacionais garantem o direito do trabalho e do trabalhador como direitos inerentes à pessoa humana, o que por consequência o colocam como direitos fundamentais de modo que a Constituição Federal, em seus artigos 7º e 8º, positivaram tais direitos, sem mencionar as diversas leis infraconstitucionais que tutelam tal direito, tais como a CLT, Lei Complementar 150/15, etc.
O constituinte, no fito de atender a onda constitucionalista social do século XX, inseriu o direito do trabalho como um direito fundamental, o que resultou em uma considerável ampliação do alcance dos direitos sociais.
De fato, a constitucionalização do direito do trabalho representa um grande avanço, considerando que ele foi alçado ao status de um direito fundamental gozando do garantismo proposto por Ferrajoli, onde, em tese, teria uma “proteção” contra as tentativas de desregulamentação ou flexibilização de tais direitos, protegendo o sujeito de direito de uma “punição” estatal com a retirada de seus direitos e essa é a posição até então defendida pela doutrina especializada.
(...) os direitos trabalhistas são fundamentais e, como tal, se impõem aos cidadãos em suas relações interpessoais e interprivadas, constituindo-se em limite à autonomia da vontade de negociar. Sendo assim, não podem ser negociados, transacionados ou renunciados, salvo quando a lei expressamente autorizar.
Não foi por outro motivo que a CLT, apesar de editada em 1943, já previa a nulidade de todo e qualquer ato que objetivasse fraudar ou burlar direitos trabalhistas nelas previstos – art. 9º, 444 e 468, da CLT.
Desta forma, é forçoso concluir que todos os direitos trabalhistas previstos na lei são indisponíveis, e só poderão ser disponibilizados quando a lei assim autorizar.[5]
Em conclusão, a Teoria do Garantismo Judicial, uma garantia ao sujeito de direito aos possíveis abusos de direitos sobre os direitos fundamentais, pode ser aplicada ao direito do trabalho ao passo que, como já discorrido no presente ensaio, tem sim seu caráter social ao ponto de ser colocado no rol dos direitos fundamentais previstas no texto constitucional, o que por óbvio recebe a proteção garantista proposta por Ferrajoli.
Atualmente, estamos sob influência de uma nova onda neoliberal que transformou muitos conceitos e direitos fundamentais que vieram a ser alvo de reformas. A Lei 13.467/17, conhecida como a Lei da Reforma Trabalhista, por exemplo, seguiu esse novo fluxo, objetivando a flexibilização e, até mesmo a desregulamentação dos direitos dos trabalhadores, direitos esses considerados fundamentais.
4.A REFORMA TRABALHISTA SOB A LUZ DO GARANTISMO
Antes de abordarmos efetivamente a reforma trabalhista e a dualidade contra o conceito de Garantismo Judicial, faz-se necessário entender os conceitos de flexibilização e desregulamentação dos direitos do trabalhador.
O primeiro, consiste, em breve síntese, em um conjunto sistemático de regras de direito do trabalho que visem tornar menos rígidas as relação de trabalho, já o segundo tem como conceito a retirada de regras que objetiva a flexibilização e diminui a rigidez dos direitos dos trabalhadores, retirando-os.
Superado esses conceitos, citamos a correlação entre a Reforma Trabalhista e como ela impactou de forma contrária a teoria do harantismo judicial proposta por Ferrajoli.
Desde 2016 o Brasil vem experienciando o retorno de pautas neoliberais buscando um estado minimalista, que de forma compulsória e célere aplicou os interesses do poder econômico nas diversas searas da economia e nas políticas públicas, entre elas o direito do trabalho.[6]
Seguindo essas não tão novas correntes, foi aprovada a Lei 13.467 de 13 de julho de 2017, com sua vigência em 11 de dezembro daquele mesmo ano. A nova lei então figurou como uma das mais significantes mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho, modificando diversos dispositivos e restringindo a atuação da Justiça do Trabalho, retirando efeitos das súmulas do Tribunal Superior do Trabalho. Além disso, a lei limitou a atuação judicial e flexibilizou vários direitos fundamentais dos trabalhadores, tudo isso sob o escopo de criação de novos postos de emprego, o que não se efetivou na prática dentro desses já cinco anos desde a sua promulgação e vigência.
Uma das mais contestadas mudanças na Reforma Trabalhista é a inclusão do artigo 611-A da CLT, que tentou trazer a figura da superioridade hierárquica do negociado sobre o legislado, afastando a figura do hipossuficiente do trabalhador, além de dar a possibilidade de flexibilização de vários direitos por meio de negociação coletiva, logo após a mesma lei ter enfraquecido a atuação sindical retirando sua mais importante fonte de custeio no momento em que tornou facultativa a contribuição sindical.
Art. 611 – A. A Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho tem força de lei quando dispuser sobre:
I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;
II – banco de horas anual;
III – intervalo intrajornada, respeitando o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;
IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE) que trata a Lei nº 13.189, de 19 de novembro de 2015;
V – plano de cargos, salários e função compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;
VI – regulamento empresarial;
VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho;
VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;
IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;
X – modalidade de registro de jornada de trabalho;
XI – troca do dia de feriado;
XII – enquadramento do grau de insalubridade;
XIII – prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;
XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;
XV – participação nos lucros ou resultados da empresa;[7]
Como observa-se acima, diversos direitos dos trabalhadores, com a vigência da Lei da Reforma Trabalhista, podem ser e já são objeto de negociação coletiva, sem observar restrições e garantias fundamentais previstas no texto constitucional. Ainda, a prevalência dessas normas sobre a lei é uma ameaça e permite a redução indiscriminada de direitos que podem ser praticadas pelos sindicatos patronais e dos trabalhadores.
Este tema é extenso e gera grande debate, por esse motivo nos concentraremos no caso da supressão do intervalo intrajornada para refeição e descanso. Anteriormente à Lei 13.467/17, a redução do intervalo intrajornada para refeição e descanso só era possível por um ato do Ministério do Trabalho em que o empregador comprovasse que em seu ambiente de trabalho houvesse refeitório e que seus empregados não laborassem em regime de sobrejornada. A motivação da concessão do intervalo intrajornada para refeição e descanso de no mínimo uma hora tem fortes relações com o direito da saúde e segurança do trabalho, evitando jornadas exaustivas e garantindo a esse trabalhador um tempo mínimo para sua refeição, descanso e desconexão dentro de sua jornada de trabalho. Esse direito é fundamental e garantido pelo Texto Constitucional no artigo 7º, XXII e artigo 71, da CLT. A Reforma Trabalhista, por meio deste artigo trouxe a possibilidade de flexibilização deste direito fundamental do trabalhador, dando aos sindicatos a possibilidade de reduzir direitos fundamentais.
Não só a Lei 13.467/17 buscou extirpar outro direito fundamental do trabalhador, qual seja, as horas in intinere, interpretando que o empregador não mais está à disposição do trabalhador no momento em que está no trajeto casa – trabalho, trabalho – casa. A atual redação do artigo 58, §2º da CLT retirou o direito que esses obreiros detinham em razão da sua disponibilidade ao empregador, direito esse que poderia ser considerado como uma grande conquista, tendo em vista que a disponibilização de transporte coletivo particular é muito mais proveitoso ao empregador do que ao empregado, que sempre gozou da mão de obra do laborista pontualmente.
Por fim, pode-se dizer que a crise econômica e a volta das pautas neoliberais foram palcos desse novo cenário que possibilitou as supressões dos direitos fundamentais dos trabalhadores, retirando direitos e precarizando as relações de trabalho. Os trabalhadores tiveram e estão tendo sua dignidade afetada, pois essa nova normativa vai de encontro com a Teoria do Garantismo Judicial trazida à baila por Ferrajoli. Todos esses direitos abordados no presente ensaio e outros que não foram citados são direitos fundamentais da classe trabalhadora, e, portanto, são inderrogáveis pela discricionariedade administrativa ou pela autonomia privada, individual ou coletiva[8], e essa afirmação é base para afirmar que essa nova lei fere os direitos fundamentais dos trabalhadores.
5.CONCLUSÃO
O presente artigo trouxe alguns conceitos como o da teoria do Garantismo Judicial e a sua harmonia com o texto constitucional brasileiro, onde a carta cidadã prevê aqueles direitos elementares para promover a dignidade da pessoa humana estabelecendo parâmetros sociais gerais e estabelecendo princípios e valores sólidos que devem ser a base das normas infraconstitucionais, estabelecendo um sistema de garantia tanto no aspecto formal quanto no aspecto substancial para que seja evitado qualquer abuso de direito entre as partes, em especial por parte do Estado.
A Constituição Federal, carta cidadã baseada nos princípios, direitos e garantias fundamentais inerentes à pessoa humana pautadas em uma rigidez e elaborada sobre a raiz da teoria garantista, vem sendo deixada de lado. A motivação para isso vem de um forte movimento neoliberal que vem crescendo ao longo dos anos, pautados na ideia de estado mínimo.
A teoria garantista de Ferrajoli é perfeitamente aplicável no direito do trabalho. Ela aponta que esses direitos fundamentais que se originaram de uma histórica luta da classe trabalhadora e foram expostos como fundamentais não só pela Constituição Federal, mas como em tratados internacionais internalizados pelo Brasil, devem ser protegidos e ampliados, uma vez que beneficiam o trabalhador, e principalmente, garantem uma condição social visando a dignidade da pessoa humana.
Contudo, na contramão do sugerido pelo Garantismo jurídico, a Reforma Trabalhista veio com o escopo de atacar de forma incisiva o direito do trabalho visando a desregulamentação e, em maior escala, a flexibilização dos direitos dos obreiros sem observar os parâmetros e padrões do que seria aceitável uma vez que o Texto Constitucional trouxe a ideia de garantia dos direitos fundamentais, em especial aqueles que tutelam as relações de emprego em stricto sensu[9].
A teoria do garantismo jurídico traz a ideia, em uma análise específica sobre a criação da Lei 13.467/17 (lei da reforma trabalhista), que os parâmetros rígidos e as garantias trazidas pelo Texto Constitucional foram quebrados. A partir do momento que houve a supressão e a flexibilização dos direitos do trabalhador por ato estatal, quebrou-se o paradigma de que esses direitos fundamentais seriam imutáveis e que não poderiam sofrer ataques.
Nessa linha, a flexibilização e a desregulamentação dos direitos dos trabalhadores não atingem somente o aspecto econômico dos trabalhadores, mas também sua consciência como ser humano, pois seus direitos fundamentais são infringidos por normas mais brandas que não visem sua proteção. Portanto, não basta apenas a positivação do direito fundamental, mas seu efetivo gozo, inclusive com a garantia de que ele não será tolhido, o que efetivamente não acontece com essas frequentes flexibilizações.
Portanto, conclui-se que por mais que seja aplicável a Teoria do Garantismo Judicial, ela não vem sendo implementada ante as constantes desregulamentações e flexibilizações presentes hodiernamente no direito do trabalho. A Lei 13.467/17 não só fere o Texto Constitucional como também não observa os preceitos mínimos prescritos pelos ensaios do professor Luigi Ferrajoli, não garantindo os direitos fundamentais desses trabalhadores, tendo como núcleo dessas mudanças o pode público por meio de novas leis que tem o fim precípuo de retirar direito dos trabalhadores sob a máscara de criação de novos empregos, tentando substituir a figura de um trabalhador hipossuficiente por um trabalhador hipersuficiente.
6.REFERÊNCIAS
BRASIL, Presidência da República. Consolidação das Leis do Trabalho. 1943.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 17 Ed. Editora Método
CARVALHO, Acelino Rodrigues, Constituição e Jurisdição: Legitimidade e Tutela dos Direitos Coletivos. Curitiba: Juruá, 2015.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17 Ed. LTr. 2017
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão:Teoria do Garantismo Penal. 4º Ed. Revista dos Tribunais. 2013
UNICEF, Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos Acessado em 21/06/2021
[2] CARVALHO, Acelino Rodrigues, Constituição e Jurisdição: Legitimidade e Tutela dos Direitos Coletivos. Curitiba: Juruá, 2015.
[9] Nota: relações de emprego stricto sensu correspondem a ideia de relações de emprego, espécie do gênero relações de trabalho, as clássicas relações de emprego que são tuteladas pela Constituição Federal, CLT e legislação extravagante.
Artigo publicado em 02/11/2021 e republicado em 13/05/2024
Advogado, pós-graduado em Direito e Processo do trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestrando em Direito do Trabalho pela PUC/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FALLEIROS, Luiz Gustavo Mendes de Paula. O garantismo jurídico e as flexibilizações dos direitos dos trabalhadores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 maio 2024, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /57348/o-garantismo-jurdico-e-as-flexibilizaes-dos-direitos-dos-trabalhadores. Acesso em: 28 dez 2024.
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